Ajudante de suicida

quarta-feira, março 23, 2005

Rotina

Perturbado, andei por pura pirraça pisando apenas nas emendas das calçadas por onde passei. Inventei numa hora inútil uma nova filosofia para se viver da maneira errada, ignorando o bom senso e os costumes rançosos, um sistema minuciosamente imperfeito, que não garante minimamente a eficácia de si mesmo. Ri do que reluzia, medi o quanto imbecil é o valor dado às coisas, debochei de todas as verdades absolutas, considerei idiota tudo o que não tem preço. Troquei minha vida por um amor vão: vão porque acaba, vão porque tive que entregar minha vida para vivê-lo. Resolvi que não se escolhe as coisas, apenas se decide pelo mais suportável. Achei a existência estúpida e cruel a sua beleza. Tudo alternadamente, no eterno fluxo do novo, para fugir do tédio angustiante da espera. Me queimei, me cortei, me furei; mas só enquanto o flagelo dava lugar à desilusão. Insisti em fazer tudo do modo mais complicado possível. Enquanto não me ocupava com meu futuro permanente, eu dormia, exausto. Esperava acordar num dia bom. O dia em que te beijei. Pois já não sei o que fazer na maioria deles a não ser me repetir. Acho que deveria parar no meio da rua, sob da chuva, com a boca erguida para beber as gotas d’água, porque não há mais nada a fazer além disso, simplesmente porque a única coisa lógica que posso fazer é ficar assim, olhos no alto, tentando me resfriar persistentemente. Logo perceberia que mesmo se enchesse a barriga de água nem uma folha de árvore se desprenderia por minha causa. Depois iria embora vencido. Depois esperaria. Pelo tempo, por um sinal para assumir a posição seguinte, mais cômoda para sofrer, uma que esteja mais de acordo com meu sentido ridiculamente trágico da coisas. Resumi minha vida para que não ficasse tão grande. Mas cada fragmento continuava sendo ela própria. Me iludi pensando que não agüentaria, dividi meu cansaço pelos dias e me descobri um casmurro. Depois de tudo cheguei aqui, sozinho. Patético, ansioso, teimando acreditar. Não ganhei coisa alguma com isso. Mas, como é preciso fazer algo, eu espero.

1 Comments:

  • At 8:35 AM, Anonymous Anônimo said…

    Vc continua escrevendo muuuuuito!!!
    Adoro seus textos!
    Beijão Claytão!!
    Saudades diocê, guri!
    Luana

     

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